Por Renan S. Moraes.
Para
quem se acostumou a assistir o amanhecer de dentro do trem, vislumbrar o nascer
do sol pela janela de um vagão pode ser completamente banal. Mas num destes
dias quando se é expulso da cama pelas altas da madrugada, coloquei-me a
observar a beleza que há naquilo tudo; observação nem sempre coletivizada, mas
que, quando encontrado em olhos alheios um par, torna-se uma dádiva. Claro é
que quando os raios do sol irrompem no limite do horizonte, tal visão se torna
gasta, quando não dolorosa. No entanto, para aquele que procura o que há de
belo no cotidiano, pode se surpreender com uma simples viagem de trem. Não se
trata, talvez, de busca desesperada por distração para tornar mais suportável
estas viagens, tão-pouco a diminuição do sentimento de revolta causado pelas
pequenas desgraças diárias. Mas observar, apenas, a simplicidade artística das
coisas comuns.
A
viagem é longa, antecedida de alguma caminhada. As dezenas de minutos
enclausurado num trem devem ser preenchidas com atividades: “participação” na
conversa alheia, onde se opina e tece julgamentos mentais; observação do
comportamento dos passageiros, os julgamentos mentais são feitos aqui também;
uma leitura quando possível, dado a dificuldade de concentração; e, quando se
tem a sorte de sentar, dormir, pois quem é expelido pela cama pela madrugada
possui todo o sono do mundo. Como normalmente as viagens são feitas sozinhas,
não tenho com quem conversar, excetuando aqueles diálogos virtuais.
Há
quem negue e encontre dificuldade de ver a beleza da vida cotidiana, eu, porém,
quando bem humorado, sempre procuro num ato dos transeuntes algo que, apesar de
simples, demonstre o contrário. Quando encontro alguém a vislumbrar a aurora de
um dia normalmente longo e corrido, vejo que há sim beleza. Não importa o
quanto os joelhos e pés daquele sujeito suportarão pelo dia, um sorriso escapa
à boca e se esquece por um momento do trem lotado, das muitas horas em pé e o
pesar da labuta.
Sempre
inventamos estratégias para passar um tempo, julgado, desperdiçado: fones ao
ouvido, leituras, conversas, jogos, etc. O caso é que este tempo no trem não
necessariamente está fadado ao desperdício se bem administrado, ou seja, se
lançarmos nele um olhar diferenciado das coisas do dia-a-dia, poder-se-á colher
bons frutos de aprendizado. Perceber a disposição do cotidiano numa dimensão
artística requer certo esforço, eliminar do peito o rancor de cedo acordar, ou
da empresa que administra o serviço de trens, ou da pessoa que passou à frente
e tomou seu lugar no banco, é demasiado difícil; no entanto, o que há de bom na
vida diária só se mostra àqueles que procuram. Se não devemos abafar a revolta
por um trem atrasado, que não desperdicemos a beleza manifesta também no trem e
na arte de andar nos trens do Rio.
"Mas observar, apenas, a simplicidade artística das coisas comuns", a gente às vezes ignora esse tipo de beleza, única e particular para cada um, que o cotidiano da vida nos oferece. Não se deve reparar nisso apenas quando não se pode mais.
ResponderExcluirBela crônica, amigo.
Abraço.
Muito bem Renana S. Moraes.
ResponderExcluirParabéns amigo, e continue a escrever!