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4 de fevereiro de 2013

A arte de andar nos trens do Rio



Por Renan S. Moraes.



                Para quem se acostumou a assistir o amanhecer de dentro do trem, vislumbrar o nascer do sol pela janela de um vagão pode ser completamente banal. Mas num destes dias quando se é expulso da cama pelas altas da madrugada, coloquei-me a observar a beleza que há naquilo tudo; observação nem sempre coletivizada, mas que, quando encontrado em olhos alheios um par, torna-se uma dádiva. Claro é que quando os raios do sol irrompem no limite do horizonte, tal visão se torna gasta, quando não dolorosa. No entanto, para aquele que procura o que há de belo no cotidiano, pode se surpreender com uma simples viagem de trem. Não se trata, talvez, de busca desesperada por distração para tornar mais suportável estas viagens, tão-pouco a diminuição do sentimento de revolta causado pelas pequenas desgraças diárias. Mas observar, apenas, a simplicidade artística das coisas comuns.
                A viagem é longa, antecedida de alguma caminhada. As dezenas de minutos enclausurado num trem devem ser preenchidas com atividades: “participação” na conversa alheia, onde se opina e tece julgamentos mentais; observação do comportamento dos passageiros, os julgamentos mentais são feitos aqui também; uma leitura quando possível, dado a dificuldade de concentração; e, quando se tem a sorte de sentar, dormir, pois quem é expelido pela cama pela madrugada possui todo o sono do mundo. Como normalmente as viagens são feitas sozinhas, não tenho com quem conversar, excetuando aqueles diálogos virtuais.
                Há quem negue e encontre dificuldade de ver a beleza da vida cotidiana, eu, porém, quando bem humorado, sempre procuro num ato dos transeuntes algo que, apesar de simples, demonstre o contrário. Quando encontro alguém a vislumbrar a aurora de um dia normalmente longo e corrido, vejo que há sim beleza. Não importa o quanto os joelhos e pés daquele sujeito suportarão pelo dia, um sorriso escapa à boca e se esquece por um momento do trem lotado, das muitas horas em pé e o pesar da labuta.
                Sempre inventamos estratégias para passar um tempo, julgado, desperdiçado: fones ao ouvido, leituras, conversas, jogos, etc. O caso é que este tempo no trem não necessariamente está fadado ao desperdício se bem administrado, ou seja, se lançarmos nele um olhar diferenciado das coisas do dia-a-dia, poder-se-á colher bons frutos de aprendizado. Perceber a disposição do cotidiano numa dimensão artística requer certo esforço, eliminar do peito o rancor de cedo acordar, ou da empresa que administra o serviço de trens, ou da pessoa que passou à frente e tomou seu lugar no banco, é demasiado difícil; no entanto, o que há de bom na vida diária só se mostra àqueles que procuram. Se não devemos abafar a revolta por um trem atrasado, que não desperdicemos a beleza manifesta também no trem e na arte de andar nos trens do Rio.


14 de setembro de 2012

O Bom Artigo a Casa Torna

O Ítaca Grupo de Atividades em conjunto com o The History Cast gostaria de convidar a todos para o Evento "O Bom Artigo a Casa Torna - Jornada de Reapresentação de Trabalhos dos alunos da UERJ no 6º SNHH", este será realizado na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), nos dias 17 e 18 de setembro  no 9º andar, bloco F, RAV 92 . A ideia do evento foi de criar um espaço para que os alunos e professores da Instituição que apresentaram seus trabalhos no 6º Seminário Brasileiro de História e Historiografia, pudessem divulgar seus trabalhos aos seus colegas de Universidade. 

Esperamos a participação de todos !



















Dia 17 

10h - Abertura

10h30 - Conferência I
Profª Beatriz Vieira 

12h - Almoço

Mesa I – 14-15:30H 
Cinema e Historiografia: o Uso do Cinema na Produção do Conhecimento Histórico
Juliana Torquato Garcez 

A Questão do Tempo na Idade Média

Renata Lopes Marinho

As Fronteiras e a Guerra: O Papel da Marinha Brasileira na História da Unidade Territorial na Segunda metade do Século XIX
Jessica Gonzaga

Mesa II – 18-19:30H

O Riso como Topoi
Maycon da Silva Tannis

As Contradições da Modernidade: Narrativas e escrita da História na Obra Ivan Ilith, de Leon Tolstói
Stefania Macena Wolff

O Rio de Janeiro nas Crônicas de João do Rio: A Produção Literária como Meio de Acesso ao Início do Século XX da Capital Republicana
Jahi Cezar da Silva

Dia 18

Mesa III - 10-11:30H

Memória Justiça e Verdade e as Leis de Acesso a informação Pública dos Arquivos das Ditaduras Militares Latino Americanas
João Gabriel Guerreiro

A Operacionalidade de Algumas noções para o Estudo das Prisões
Vinicius Vieira

Narrativas sobre a história e ação política no domínio dos enredos das Escolas de Samba do Rio de Janeiro durante a década de 1980.
Eduardo Pires Nunes da Silva

Conferência II

18h - Profª Laura Nery

19:30h Encerramento 

16 de abril de 2012

Afinal, que história é essa?

O Ítaca gostaria de convidar a todos para o Encontro "Afinal, que história é essa? - As possibilidades de escrita da História", que será realizado na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), nos dias 25 e 26 de abril. O evento contará com a presença de professores da UERJ, do CAp_UERJ, do IESP-UERJ, da UFRJ, da UFRRJ, da PUC-Rio e da USP para fomentar discussões importantes acerca do fazer História. Não deixem de participar!

5 de abril de 2012

Cine Ítaca

Olá pessoal,

Gostaríamos de agradecer a presença de todos que participaram do primeiro Cine Ítaca de 2012, especial para os calouros, com a exibição do filme "A vida dos outros", seguido de debate.
Ainda, aproveitamos esse espaço para convidá-los para o próximo Cine Ítaca, que ocorrerá no mês de abril com a exibição do filme votado "O Sorriso de Monalisa" e participação da professora Laura Nery para as discussões posteriores a exibição.

Cine Ítaca
Filme: "O Sorriso de Monalisa"
Dia: 10/04/12
Hora: 14h às 18h
Local: Rav 92 (9º andar, UERJ)
Com: Profª. Laura Nery (História-UERJ)


Feito o convite, esperamos vocês para mais um tarde de filme e discussões! =]



Fico devendo a legenda do trailer.

25 de março de 2012

As historiografias que transbordam nossas estantes

Renan S. Moraes, estudante de história do 7º p. da UERJ.

É interessante perceber de onde vêm as perspectivas que influenciam as obras históricas. E também é importante pensar o motivo de uma historiografia se fazer necessária. Porém, não é o que farei, apenas apontarei uma constatação notória para gerar discussão sobre o assunto. É visível que alguns países exportam mais historiografia que outros; neste sentido, é ainda mais notável a (in)fluência dos franceses e ingleses entre nós. Se pensarmos na historiografia do século XX então esta fluência é maior, e é aqui que eu pretendo dispensar maior atenção. Assim como uma maior atenção nas disciplinas teóricas e de críticas historiográficas.

Para começar, procuremos observar a quantidade de historiadores alemães, italianos, portugueses, espanhóis, estadunidenses, latinos americanos, orientais, etc., nas ementas dos cursos, nas bibliografias sugeridas. Elas estão cheias de Bloch, Dosse, Thompson, Hill, Hobsbawm... Apenas para um levantamento inicial e sumário, procuremos estabelecer alguns autores mais conhecidos de cada nacionalidade, que produziram no século XX. Da historiografia italiana, nos chegam os micro-historiadores Carlo Ginzburg, Giovanni Levi, Edoardo Grendi; assim como, em menor escala, Carlo Cipolla, Arnaldo Momigliano, entre outros. De Portugal só consigo lembrar do recém falecido Vitorino Godinho, e da Espanha Josep Fontana, grande historiador marxista. Na Alemanha, lembro-me de Jan e Aleida Assman, Jörn Rüsen, que não são tão conhecidos assim, e o famoso divulgador da begriffsgeschichte, Reinhart Koselleck. Do mundo oriental vem Edward Said que tem sua produção mais voltada para os estudos culturais do que para a história, e ainda podemos pensar no marxista russo perseguido pelos czaristas e pelos bolchevistas, Georgi Plekhanov que contribuiu para uma teoria dialética da história. Da América latina a influência é escassa, Lynn Hunt nascida no Panamá se radicou estadunidense, Stuart Hall se aproxima dos estudos culturais mais que da historiografia. Dos nossos vizinhos do norte, temos a canadense Natalie Zemon Davies e os estadunidenses Robert Darnton, Hayden White e Peter Gay, de origem alemã.

Para estabelecer uma relação com os autores supracitados, observemos a lista de historiadores que chegam em terras brasileiras oriundos de França e Reino Unido. Comecemos com os autores de língua inglesa. Famoso entre estudiosos brasileiros, Eric Hobsbawm é um dos maiores expoentes da historiografia marxista inglesa. Historiografia que conta com grandes nomes: Christopher Hill, Edward P. Thompson, Perry Anderson, Edward Hallet Carr. Têm-se ainda os pós-estruturalistas Keith Jenkins e Stephen Bann, os culturalistas Benedict Anderson e Peter Burke. Geoffrey Barraclough é um estudioso da história contemporânea, ASA Briggs do período vitoriano e Hugh Trevor-Roper da Idade Moderna. O número não é tão grande como dos franceses, mas a expressividade é semelhante, sobretudo com os marxistas, Hobsbawm em especial. Dentre os franceses seria preciso fazer algumas delimitações. Principais membros dos Annales: Marc Bloch, Lucien Febvre, Pierre Vilar, Fernand Braudel, Jacques Le Goff, Pierre Chaunu, Michel Vovelle, Roger Chartier, Jean Delumeau, George Duby, etc. Daqueles que não mantêm grande ligação com a revista temos: Pierre Nora, François Dosse, Philippe Áries, Michel De Certeau (estes dois últimos mantinham alguma relação com a revista), Marc Ferro, René Remond, Mona Ozouf, Jean Claude Schmitt, Antoine Prost, entre outros.

Estes levantamentos servem para pensarmos a fluência dos franceses e britânicos nos nossos cursos de história e nas nossas estantes. Longe de acusá-los de historiografias imperialistas, estes levantamentos se pretendem uma reflexão sobre como estas duas linhas entraram nas nossas ementas. Apenas apontamentos, pretendo no (possível) debate a elucidação de alguns destes pontos. No entanto, acredito que seja um válido levantamento, apesar de não consultar um grande número de ementas dos diversos cursos de história.

17 de janeiro de 2012

A alma musical das ruas do Rio, ontem e hoje.

Renan Siqueira Moraes, estudante do 7º período de história da UERJ e membro do Grupo de Atividades Ítaca.


Introdução

Nas linhas que se seguem adiante, procura-se uma análise da musicalidade da cidade do Rio de Janeiro. Por meio de uma comparação feita entre começo do século XX e o XXI, tenta-se apreender como a cidade foi e ainda é musical. Esta comparação é feita por uma perspectiva analítica da crônica do João do Rio, “Músico ambulante”, do livro de crônicas “A encantadora alma das ruas”, e uma outra perspectiva mais empírica de constatação nas andanças pela cidade.

O musical Rio de João

João do Rio inicia sua crônica falando da transumância dos músicos na cidade do Rio de Janeiro. Ele propõe que o desaparecimento dos músicos não se relaciona com os aparelhos de grafofone ou gramofone, inseridos nos cafés, hotéis e botequins da cidade. Mas que quando menos se espera os músicos voltam a aparecer na cidade, expulsando o ar modernista dos aparelhos, e pondo ao gracejo do bom ouvido e do bom publico, uma boa sinfonia. O cronista cita diversos exemplos sobre estes músicos que ora somem e por outra aparecem da cidade. Para ele, o Rio de Janeiro é uma cidade musical, o que se olharmos de hoje é uma evidente constatação, porém, trata-se do inicio do século, onde a música é embalada pelas marchinhas, modinhas e as bandas; não se contava com o samba, e a boemia era diferente.
Outra percepção do autor, e que ele pretende desmistificar, é o aspecto que se dá ao musico como de uma pessoa sofrida, que “morre de fome ao cair das ilusões”. Segundo ele, não aqui, “talvez em outras terras, mais gastas e mais frias” os músicos sucumbam à miséria de uma sofrida vida de ilusões. Pegando a biografia dos pedintes e pretensiosamente sôfregos músicos, pode-se perceber uma vida mui prospera. Algumas regadas a “jogos, mulheres e vinho”, outras de tranqüilidade, mas não em miserabilidade. O que há é uma “fachada” para que se tenha compaixão, mas por trás dela “há tanto interesse como no negociante mais avaro”.
Portanto, a crônica de João do Rio segue duas linhas de pensamento: uma é a de que a tecnologia modernista não acabara com a tradição musical da cidade e a outra é que por trás da fachada do pedinte músico, existe uma vida de muita prosperidade.

Os músicos da cidade hoje

A cidade hoje continua muito musical, há diversos festivais de músicas, os músicos estão entre os “heróis” da cidade, sua decoração se baseia na música, o seu aspecto sonoro lhe é peculiar. Movida a música, o Rio de Janeiro o é em diversos sentidos, porém, será que aquelas linhas de pensamento de João do Rio ainda permanecem. Observemos!
A tecnologia da modernidade de hoje, fluida, não acaba com os músicos da cidade. Tal como o grafofone, os cds player, mp3, aparelhos de som cheio de utilidades, enfim, todas estas parafernálias não tiram o sentido da música levada por uma viola ou guitarra. Mas estes músicos acabam tendo seus espaços restritos; no entanto, paradoxalmente, devido à super velocidade desta modernidade, os músicos acabam por encontrar novos espaços, como os shopping centers, e novos meios de fazerem música, como os Djs. Porém, alguns lugares tradicionais ainda permanecem, mas com nova roupagem, como o boteco, os bailes, as folias, etc. A modernidade acelerada de hoje parece não ter extinguido os músicos, como nos tempo de João do Rio, eles podem sumir por um tempo, mas tornam a cidade fazendo dela uma sonora metrópole.
Sobre o aspecto do músico paupérrimo, podemos constatar dois pontos: os músicos que se aglomeram no Largo da Carioca, tentando vender seus cds; e os músicos que tocam em noites, nas baladas e nos botecos. Apenas para observarmos estes dois pontos, excluímos tantos outros, mas esta exclusão serve para aproximar nosso exemplo com os músicos de João do Rio. Portanto, à margem da generalização, podemos dizer que nos dias de hoje nem todo músico pode se esbanjar nos jogos, nas mulheres e no vinho, sobretudo aqueles do Largo da Carioca. Estes normalmente têm família, e acaba vivendo (ou sobrevivendo) da música. Os músicos da noite acabam por se esbaldar mais na tríade mulher, álcool e jogo, pois já estão inseridos num clima propício para tal.
Portanto, na cidade alguns aspectos permaneceram e outros não. Algumas tradições mudaram, foram incorporadas em novos e espaços e lugares, em novos sentidos. A modernidade do alvorecer do século XXI não limitou a sonoridade da cidade, seus carros, suas obras e todo o resto, lhe soa peculiar. Pois, no Rio de Janeiro poderia se tirar uma melodia no caos sonoro de seu dia-a-dia.

Consideração final

À maneira de uma abrupta conclusão, podemos constatar que o Rio de Janeiro é uma cidade musical, que se seus tradicionais músicos não desapareceram há um século, não poderiam neste agitado começo de século sumir. Cidade musical, o Rio de Janeiro possui na sonoridade um sentido particular de sua identidade: Rio do samba, das marchinhas e da bossa; Rio dos bambas, dos boêmios e dos malandros; Rio de Saldanha, de Donga, Noel, Pixinguinha, Vinicius, Tom e Cartola. Rio de Janeiro, a encantadora cidade maravilhosa, das ruas tortuosas, de músicos a pedir dinheiro para jogar no bicho na primeira esquina. A cidade que tem a música na alma!

Bibliografia:

RIO, João do. Músicos ambulantes. In. ___ A alma encantadora das Ruas. São Paulo: Cia. de Bolso, 2008.

9 de janeiro de 2012

História vista de baixo e micro-história. Um micro-ensaio sobre as formas de olhar o passado.

Renan Siqueira Moraes, estudante do 7º período de história da UERJ e o novo membro do Grupo de Atividades Ítaca.

“Um historiador deve estar decididamente interessado, muito além do permitido pelos teleologistas, na qualidade de vida, nos sofrimentos e satisfações daqueles que vivem e morrem em tempo não redimido”.
Edward Palmer Thompson



Certa vez um historiador britânico, dos mais afeitos à renovação de sua disciplina e também de uma antiga tradição, compreendeu que se deve escapar da perigosa tentativa de apreender a história teleológicamente. Dessa forma, o que o tal historiador pretendia era resgatar dos “ares superiores de condescendência da posteridade” o qualitativo da vida destes sujeitos passados. Edward Palmer Thompson, um dos precursores da idéia de História Vista a partir de Baixo (History from Below), inovou a historiografia inglesa, não só a marxista, mas como todo debate acerca da interdisciplinaridade e da história social.
Na Itália, os anos eram de decadência para a esquerda que se mostrava cansada após os atos terroristas e o retorno do conservadorismo. A necessidade de suplantar aquele vácuo era grande, as soluções imaginadas vinham de fora. Era fora da Itália que se produziam as matérias primas para o diálogo entre a História e as outras Ciências Sociais. Bem disse um autor que a historiografia italiana muito devia à francesa e que a saída dos italianos neste “mercado historiográfico” era a micro-história, foram Carlo Ginzburg e Carlo Poni que fizeram estas observações no final dos anos de 1970. E os italianos deram ao mundo a micro-análise, a possibilidade da perspectiva ao microscópio.
As duas maneiras de observar o passado surgiram num contexto similar, nos idos finais dos anos de 1950 e no decorrer dos 1970. As personagens desta aproximação partem, obviamente, de uma formação diversa, mas se aproximam no decorrer de suas vidas intelectuais. Com efeito, Thompson, Ginzburg, Levi e Grendi, têm alguns pontos característicos entre si. É o olhar ao subalterno, a tentativa de captar a qualidade do vivido, a busca da inovação de seus campos de pesquisa, a atenção dispensada à interdisciplinaridade, e, sobretudo, a fuga do discurso sobre a decadência da razão, que unem estes quatros historiadores.
Daqueles historiadores citados no parágrafo acima, sem dúvidas o menos conhecido do leitor brasileiro é Grendi, ao passo que Ginzburg e Thompson são celebres leituras dos estudantes de cá. Porém, entre Thompson e Ginzburg existe uma conexão, um historiador que saíra da Itália para se aprimorar em Londres e no retorno ao país natal trouxe daquela cidade todo debate sobre a história social e a efervescência que girava em torno deste debate, este historiador era Edoardo Grendi. Levando para a Itália toda uma bagagem de discussões sobre a economia, a antropologia econômica, as ciências sociais (em particular a sociologia) e etc., para uma abordagem da história local em Gênova; Grendi influenciará os estudos de Ginzburg e Levi, lembrando que aquele volta à Itália no começo dos anos de 1960 quando Levi e Ginzburg estão nos seus primeiros escritos.
Da história local para a micro-história, a interferência da história social e da antropologia foram demasiadamente importantes. Buscando analisar uma fonte serial com um maior rigor qualitativo, escrevia-se uma história que procurava articular o micro com o macro. A micro-análise, fruto de todo este debate que envolve o contexto supracitado e as contribuições das historiografias francesa e inglesa, também é herdeira do pensamento de Gramsci. Neste sentido, um dos temas que permeia as obras com a micro-análise é a “classe subalterna” que Antonio Gramsci desenvolveu. Para apreender a classe subalterna, esta forma de olhar o passado foi posta no nível das relações interpessoais. Fora na pretensão de diminuir o escopo que se apreendeu uma saída para as questões sobre a disciplina em voga na época, a história quase biográfica trazia o sentido de analisar não as “gestas dos reis”, mas àqueles que construíram Tebas das sete portas. A microstorie abriu um campo de possibilidades onde se dava agora a voz tirada no passado do moleiro num processo da Igreja Católica, Menocchio teve sua voz resgatada por Carlo Ginzburg em sua análise microscópica.
Da mesma maneira, porém um pouco antes, procurava-se, na Inglaterra, resgatar a história do “pobre tecelão de malhas, o meeiro luddita, o tecelão do tear ‘obsoleto’, o artesão ‘utópico’ (...)”. A intenção aqui também era uma análise qualitativa do passado. Nestas páginas de um curto, porém denso, prefácio, Thompson preparava o campo para sua análise vista de baixo. Ver por baixo o passado possibilitaria ao historiador perceber a história dos vencidos, dos pobres soldados que são extirpados da história, do trabalhador que construiu uma cidade e que não teve sua obra reconhecida, etc. Quando se vê de baixo para cima, percebe-se primeiro a classe subalterna; neste sentido, pode-se perceber a proximidade da história vista de baixo e a micro-história, pois, para além da qualidade da vida que ficou no passado, busca-se àqueles que foram esquecidos, silenciados: pobres agricultores, pequenos soldados, moleiros que se diferenciam do seu vilarejo, trabalhadores que formam consciência de classe...
Não é interesse esgotar o assunto da micro-história e da história vista de baixo nestas poucas linhas, para isso seria preciso uma coleção não muito pequena. A proposta aqui é lançar luz sobre um debate muito fecundo que perpassa já seis décadas e não deixa de ser atual. A tentativa de apreender uma história que possibilite uma nova visão deu ao mundo historiográfico novos problemas, estamos num tempo senão tão diferente, pelo menos com suas peculiaridades. Isso exige de nós, pretensos historiadores, uma “vontade de saber” que possibilite outras visões. Duas formas de olhar o passado deram aos historiadores ferramentas deveras boas para esta percepção, e mesmo com o tempo, não se tornou ainda obsoleto, porém, temos de desenvolver nossas ferramentas. Faz-se necessário uma nova maneira de olhar o passado. A dialética do micro e do macro e a história que se faz de baixo nos deu excelentes obras, porém outros tempos exigem outras teorias que modificam a prática que por sua vez fazem necessidade de nova teoria.

Apêndice

Algumas obras destes historiadores para melhor compreensão destas formas de olhar o passado:

THOMPSON, Edward P. A formação da classe operária inglesa.
________. A história vista de baixo.
GRENDI, Edoardo. Microanálise e história social.
________. Repensar a micro-história?
LEVI, Giovanni. Sobre a micro história.
_______. Herança imaterial. Carreira de um exorcista no Piemonte do século XVII.
GINZBURG, Carlo. Sinais. Raízes de um paradigma indiciário.
_______. Micro-história: duas ou três coisas que sei a respeito.