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29 de novembro de 2010

Sobre Ítaca

Sobre Ítaca

Sobre o solo de Ítaca muitos andam
Solo onde muitos plantam, mas nem todos colhem
Solo onde há diversidade e possibilidades de escolhas
Por entre os céus de Ítaca muitos voam
Uns voam mais alto, outros, mais baixo
Ainda há aqueles que sequer alçam vôo
Por serem muitos os que a habitam
Ítaca vive uma pluralidade
Há os que desejam partir e se aventurar mar adentro
E os que preferem o conforto de seus lares
O hábito naturaliza o olhar dos que ficam
Para os que partem, há um mundo novo
Por vezes, encontram lestrigões e ciclopes
Mas aprendem a lidar com os monstros
Se perdem e se encontram nas viagens
Viagens que Odisseu os inspirou a prosseguir
Viagens que desgastam e os fazem refletir
Pensarão nos que ficaram e indagarão porquê partiram
A lareira, a cama, a roupa, tudo está em Ítaca
Mas em Ítaca não há a incerteza do mar
Não há o confronto com os temores
Não há descobertas
Não há experiências
Então entendem o porquê da partida
Ítaca é seu porto seguro
E para ser seguro, nela não há confrontos ou descobertas
Vive-se o cotidiano com o mesmo olhar corriqueiro de sempre
Automatizado
O que as ondas do mar quebram
Sobre Ítaca escrevo agradecendo
Pois Ítaca me pôs a viajar
Proporcionou inúmeras viagens
Ítaca me fez ver com um outro olhar

M.A.

11 de novembro de 2010

Ainda sobre Ítaca(s) e viagem (Parte II)

...

Se um historiador pensa em escrever uma narrativa do passado buscando já de início chegar à determinada conclusão, se acredita já saber o “fim”, todo o percurso que se propôs a “viajar” perderá seu sentido, dado que não seria necessário viajar para isso: chegar a conclusões precipitadas sem conhecer, buscando no passado somente a constatação destas.

Olhar para os acontecimentos de nosso passado e compreendê-los apenas em função do nosso presente é um esforço vão, equivocado, pois buscará explicar os processos vividos em um contexto passado a partir de referências do presente, além de levar a visões deterministas – como pensar toda a experiência humana vivida até o momento como uma preparação, uma evolução para se chegar às sociedades atuais. Um viajante não deve sair do seu país acreditando já saber o que a viagem irá lhe proporcionar, mas sim partir do seu lugar disposto a ver a particularidade, a diferença, a especificidade do mundo do outro, e assim ser capaz de pensar outras formas de se relacionar com o mundo, outras concepções, outras formas de dar sentido ao mundo, diferentes de seus referenciais anteriores à “partida”.

O distanciamento de si mesmo, do lugar (“físico” e temporal) onde me formei como indivíduo, abre um caminho para entender que aquele passado foi também um presente. As inúmeras experiências vividas no passado atendiam a visões, relações, interesses e expectativas específicas daquele tempo e lugar. Escrever história tendo “todo o tempo Ítaca na mente” produz uma compreensão dos acontecimentos fora do contexto que lhes deu legitimidade. E o que seria isso senão matar a possibilidade de vida de um tempo que já foi um presente, que se construiu e agiu, produzindo seu próprio sentido.

Nos esquecemos que “aquele presente”, logicamente, foi vivido como tal, enfrentando os problemas de seu tempo e as expectativas de um futuro completamente incerto, indefinido. As gerações de diferentes épocas conviviam com essa incógnita. Viviam e construíam seu cotidiano com perspectivas próprias, vivendo de acordo com suas possibilidades presentes e futuras.

Quando transformamos esse presente em nosso passado, numa idéia de pertencimento e até mesmo de origem, produzimos sentidos únicos e matamos as possibilidades de viver de formas diferentes, de viver outros presentes, para os contemporâneos de determinada época, ou seja, é dizer que um certo acontecimento só poderia ter acorrido como ocorreu. Dessa forma, conseguiríamos a façanha de matar os mortos: matar a possibilidade de vida, de estar em contínuo movimento, de viver daqueles mortos – matar duas vezes, silenciando a vida que existiu naquele passado. Isso seria negar às pessoas de determinado tempo e espaço, negar ao passado, a possibilidade de ser e existir Ítacas.

“Ítaca não te iludiu
Se a achas pobre.
Tu te tornaste sábio, um homem de experiência.
E, agora, sabes o que significam Ítacas.”

8 de novembro de 2010

Ruptura

Rapazeada,

Finalmente decidi realizar minha estréia neste espaço. Depois de muito pensar como fazê-la, optei por uma indicação.

Sei que irei quebrar a tão desejada continuidade temática das postagens. Contudo, a história – tema deste blog - é feita de continuidades e rupturas. Permitam-me, pois, leitores e companheiros, oferecer a experiência da ruptura.

Depois de ler comentários e postagens, é impossível não reconhecer o estilo do professor Manoel: as metáforas, os exemplos as conclusões... Esta atitude o faz presente; porém aumenta a saudade. Certamente, ele ainda não está pacificado – ainda não é história.

Portanto, gostaria de compartilhar com os visitantes leitores deste blog, um arquivo há muito selecionado, embora, até então, jamais escutado. Trata-se de uma entrevista com o professor Manoel, na qual ele fala sobre sua formação, sobre a história, sobre os alunos... Acho que todos deveriam ouvir.

Segue o link:

http://www.licp.uerj.br/download/manoel.mp3

Abraços,

Vinícius Vieira

6 de novembro de 2010

Ainda sobre Ítaca e viagem (Parte I)

Falamos aqui sobre Ítaca e sobre a viagem de Ulisses [ver poema de Kaváfis e o post Cinco de História (...) (Parte II)] . Sobre a importância de se distanciar de sua “terra natal”. Mas qual é a relevância da viagem? Por que viajar? A viagem constrange – ao nos colocar em contato com outras perspectivas – nos mostra limites, permite o distanciamento de si mesmo e o contato com o outro, com outros lugares, outras culturas, outros pontos de vista – então olhamos no espelho e já não somos mais os mesmos. A viagem nos transforma. Com as experiências e as novas visões proporcionadas por ela, olhando de novo e à distância, nossa familiar Ítaca toma uma forma diferente da qual, pelo costume, era seu natural, assim como nós, os andarilhos, também mudamos constantemente, através do contínuo contato com o diferente, o novo.
“Se a expectativa de felicidade e riqueza estiver somente em Ítaca ignora-se a felicidade e a riqueza proporcionadas pela viagem”. Ignora-se as reflexões durante o percurso, a reinterpretação de si e do mundo. Ítaca nos propicia uma bela viagem, sem ela não nos poríamos a caminho. Mas não devemos apressar a viagem nunca, pois se o retorno para casa for a única meta, a própria viagem deixa de ter sentido. Então, por que viajar quando não conseguimos nos distanciar de Ítaca? Por que “viajamos” à Idade Média se continuamos presos ao presente?
Consideremos Ítaca como nosso presente, nosso lugar no tempo. Ao visar Ítaca constantemente, durante a viagem ao passado, perde-se o que essa experiência – a busca, a pesquisa, o percurso – pode proporcionar e corre-se o risco de chegar a conclusões antes de sair do porto, levando ao passado ou aos lugares que visitamos pensamentos e valores que não cabem naquela situação. Daí os anacronismos, julgamentos e dicotomias do tipo “isso é bom” ou “aquilo é mau”. Os novos lugares que conhecemos são diferentes da nossa casa, da mesma forma como os passados são vários e diversos entre si e em relação ao presente.
Chegamos então a uma outra pergunta, que tem estreita relação com aquelas já apresentadas. Por que o exílio é importante ao ofício do historiador, ao pensamento histórico? Por que o viajar, o distanciamento (não só físico) de sua posição natural, habitual e cômoda promove uma reflexão mais crítica e menos viciada?
Essas questões são para nós, são para vocês. Portanto...