Falamos aqui sobre Ítaca e sobre a viagem de Ulisses [ver poema de Kaváfis e o post Cinco de História (...) (Parte II)] . Sobre a importância de se distanciar de sua “terra natal”. Mas qual é a relevância da viagem? Por que viajar? A viagem constrange – ao nos colocar em contato com outras perspectivas – nos mostra limites, permite o distanciamento de si mesmo e o contato com o outro, com outros lugares, outras culturas, outros pontos de vista – então olhamos no espelho e já não somos mais os mesmos. A viagem nos transforma. Com as experiências e as novas visões proporcionadas por ela, olhando de novo e à distância, nossa familiar Ítaca toma uma forma diferente da qual, pelo costume, era seu natural, assim como nós, os andarilhos, também mudamos constantemente, através do contínuo contato com o diferente, o novo.
“Se a expectativa de felicidade e riqueza estiver somente em Ítaca ignora-se a felicidade e a riqueza proporcionadas pela viagem”. Ignora-se as reflexões durante o percurso, a reinterpretação de si e do mundo. Ítaca nos propicia uma bela viagem, sem ela não nos poríamos a caminho. Mas não devemos apressar a viagem nunca, pois se o retorno para casa for a única meta, a própria viagem deixa de ter sentido. Então, por que viajar quando não conseguimos nos distanciar de Ítaca? Por que “viajamos” à Idade Média se continuamos presos ao presente?
Consideremos Ítaca como nosso presente, nosso lugar no tempo. Ao visar Ítaca constantemente, durante a viagem ao passado, perde-se o que essa experiência – a busca, a pesquisa, o percurso – pode proporcionar e corre-se o risco de chegar a conclusões antes de sair do porto, levando ao passado ou aos lugares que visitamos pensamentos e valores que não cabem naquela situação. Daí os anacronismos, julgamentos e dicotomias do tipo “isso é bom” ou “aquilo é mau”. Os novos lugares que conhecemos são diferentes da nossa casa, da mesma forma como os passados são vários e diversos entre si e em relação ao presente.
Chegamos então a uma outra pergunta, que tem estreita relação com aquelas já apresentadas. Por que o exílio é importante ao ofício do historiador, ao pensamento histórico? Por que o viajar, o distanciamento (não só físico) de sua posição natural, habitual e cômoda promove uma reflexão mais crítica e menos viciada?
Essas questões são para nós, são para vocês. Portanto...
Quando você falou em espelho pensei logo no "Espelho de Herodoto"! =]
ResponderExcluirÉ interessante pensarmos um pouco sobre Herodoto e Homero e suas obras...
A volta de Ulisses para Ítaca, na Odisséia de Homero, está ancorada na inspiração que as Musas propiciam ao poeta, garantindo uma verdade inquestionável, uma vez que as deusas conhecem tudo sobre passado, presente e futuro.
Já o relato de Heródoto, em sua Histórias, exige uma autópsia, pois o "ver" assegura a credibilidade da narrativa. O histor não é um poeta, um aedo, ele não é um intermediário que as Musas inspiram para contar os feitos.
Mas por que a figura do histor possibilitou a não inspiração das Musas? O que conferiu a sua figura uma autoridade que se equiparasse a do aedo e do poeta?
Muito obrigada pelo comentário, Bruno!
ResponderExcluirSe me permite, quando li esse post a questão do distanciamento me lembrou não uma distância do acontecimento mas sim um lugar diferente para se ver as coisas... E quando mudamos nosso campo de visão, vemos outros ângulos...
Não sei se vc me entende ou se viajei...rs
E pode vir comentar no blog mais vezes!
Até!
Claro que te permito!
ResponderExcluirVocê viajou sim, mas no melhor sentido. Naquele que buscamos.
Também penso o distanciamento no espaço assim como no tempo.
"Ítaca" pode ser um lugar temporal ou espacial, é seu lugar de costume que, pela prática ou vivência cotidiana, lhe propõe pontos de vista, perspectivas, às quais se estivermos presos não "vemos outros ângulos", nos fechamos para pensamentos diferentes.
O distanciamento,a viagem a um outro lugar propicia uma reflexão mais ampla, que considera outras possibilidades, outras visões. Permite também, a partir do contato com o "outro", com o diferente, uma compreensão sobre quem somos e o sentido que damos a nossa vivência.
A viagem produz mudanças qualitativas nas formas como eu penso a mim mesmo e minhas experiências. A reinterpretação de si é sempre necessária - auto-conhecimento.
Muito obrigado pela contribuição, Luiza, você é sempre muito bem vinda aqui.
...
Portanto... eu vou comentar!(Bruno)
ResponderExcluirSobre a importancia do exílio e do distanciamento...
O exílio como esforço de distanciamento de si mesmo, ou seja, de nossa realidade torna-se fundamental para o nosso ofício e para o pensar história, pois produz o deslocamento necessário para a compreensão do outro. Do que foi o seu presente e para nós é passado.
Esse exercício pode ser incomodo e até doloroso, quando se lida com experiências traumáticas, por exemplo.
Não obstante é positivo para a história, posto que o exílio coloca o indivíduo numa situação de não pertencimento, ele é expatriado, todos o seu referencial de vida relacionado a uma sociedade determinada não lhe serve mais.
Isso permite o emergir do outro, e a partir deste momento, é este outro que se buscará conhecer é ele quem desperta a curiosidade, produz história!
(agora comentando o comentário da Ma!)
Acredito que é exatamente isso que possibilita ao histor prescindir das musas. Herodoto é um viajante, andarilho que sai da Grécia e busca ver. É o "eu vi" que produz a história, as narrativas não são mais míticas... a tradição cede lugar, ou melhor, passa a compartilhar espaço com a história.
A partir de Herodoto as historias, como ele as designava, têm autoria e autoridade, a narrativa é produto da ação humana produzida sob o critério da autópsia (investigação, observação).
Atitude de capital importancia para os gregos, pois os permitem se constituírem enquanto tais. Criam sua identidade. Ao observar os outros (Citas, Persas, Egipcios)e nomeá-los(os considera bárbaros, pois são nomândes), também nomeia a sí próprio e aos gregos.
É a construção de identidade a partir de uma alteridade.O que demonstra o quão relacional é a identidade.
Entretanto é importante lembrar e ter sempre em mente, que esse duplo movimento de reconhecimento e afirmação do "eu sou", não pode e não deve excluir o direito do outro a ter história, a ser sujeito histórico.
"É preciso dar condição ao outro sempre"